No final de 2018, recebi o convite, pela Publica Agencia de Arte, esse seria o trabalho mais desafiador da minha carreira até os dias de hoje. A pintura em grande escala era a fachada inteira de um shopping de Belo Horizonte, onde diariamente transita no mínimo umas dez mil pessoas.
A agencia que me contratou organiza um dos maiores festivais de muralismo do Brasil, e eu não queria fazer feio na cidade onde acontece o festival. A responsabilidade junto da oportunidade era imensa! A partir da primeira reunião para acertar os pontos e ficar por dentro dos detalhes, eu só tinha um foco: Estudar o layout e a melhor técnica para executar aquele trabalho. Foi essa responsabilidade em minhas mãos e a oportunidade de executar o trabalho mais desafiador da minha vida até hoje, que me acordava todos os dias para eu me manter focado nos estudos.
O Projeto era que a pintura ocorresse no início de 2019, período curto desde o convite à execução, mas devido toda a burocracia para realizar um trabalho como esse no centro de Belo Horizonte, com tantos prédios antigos, não se resolveria como esperávamos. Esse tempo acabou sendo bom, já que o prazo para me organizar quanto a logística, processo de pintura, equipe, e estudar o que fosse necessário, acabou se estendendo até o mês de Abril.
Eu precisava de uma equipe em que eu pudesse confiar, que teria zelo, dedicação para executar tudo com excelência e dentro do prazo. Cada pessoa envolvida abraçou esse trabalho como se fosse dele, minha eterna gratidão a equipe de pintura: Ed mum, Lucas Bess, Rafael Vira-Lata, Vagner fear, e Tot. A mesma gratidão à equipe que estava na produção: Juliana e Sara,e a equipe de segurança Anne e Tander, sem todas essas pessoas tão dedicadas durante 12 dias de muito trabalho, contratempos e novas experiências, nada poderia ter acontecido.
O layout foi pensado a partir de toda a movimentação urbana e sua diversidade! Na rua Oiapoque, onde se encontra a maior parte do mural, representei a partir de cores vibrantes a união da sua diversidade e beleza. Na mesma retratei dois pardais unidos por um cordão. A escolha dos pássaros foi por se tratar de uma espécie comum em praticamente todo o mundo, simbolizando ali a liberdade e a vida. O cordão simbolizou o quanto estamos unidos por ligações invisíveis, porem mais fortes do que qualquer outra coisa, o que expõe a necessidade que temos uns dos outros.
Na Rua Curitiba, mantendo as cores contrastantes escolhi manter o que já fazia há algum tempo, pintei uma expressão de um rosto feminino. Sempre pintei mulheres, por admirar a garra e coragem, cada um dentro da sua trajetória, sendo um ponto central da vida humana, ao fazer isso me sinto grato pela minha mãe, quem sempre se manteve forte, e nos manteve firme mesmo dentro de um cenário de vida que não fosse o ideal.
Durante o processo de criação do layout fui questionado por ter colocado como referência o rosto de uma mulher que eu não conhecia. E em uma conversa com a Jana da produção, percebi a oportunidade de pintar o rosto de alguém mais próximo a mim. E para me tirar da zona de conforto de pintar pessoas estranhas, cujo possíveis erros não seriam percebidos, pensei na pessoa que além de todo meu amor por ela, eu conheço sua trajetória, suas lutas antes de suas conquistas, e o quanto ela influência outras mulheres através do seu trabalho de construção e resgate de autoestima, empoderando mulheres negras. Ali eu poderia expressar minha admiração e respeito, sabendo que ela seria símbolo de representatividade para muitas mulheres que passam por ali. Porém, tudo isso só aumentou a responsabilidade de ter êxito na conclusão daquele trabalho.
Na semana de executar a pintura, por uma ligação telefônica liguei para minha esposa, e dei a notícia de que ela seria o rosto do layout, ela ficou surpresa, mas aceitou.
Tive a grande honra de ter a ajuda do fotógrafo da produção Bruno Figs, uma pessoa e profissional sensacional, que soube registrar o que eu precisava através das suas lentes para ampliar no Centro da cidade o rosto da Nica. Eu poderia errar em tudo, menos no arqueamento da sobrancelha, assim dizia ela, e eu não queria criar problemas com minha musa inspiradora.
Foram 12 dias de trabalho intenso, e muita dedicação de todos os envolvidos. Esse projeto me mostrou na prática o quanto somos dependentes uns dos outros, e foi uma grande honra contar com pessoas tão competentes e dedicadas que ajudaram para que esse desafio se tornasse concreto. Foram dias bons de se recordar, ver os amigos que passaram para aquela troca de ideia rápida que ajudava a dar aquela relaxada para voltar no ritmo depois, o amigo Dereco , grande artista que estampou os tapumes com a logomarca do Projeto, a equipe do Shopping, os vendedores de café, o fluxo da cidade, tudo muito intenso, mas os envolvidos conseguiam manter o fluxo na energia que precisava de ser.
Em uma conversa com o Rafael vira lata, ele me falou que ficou muito feliz por que o mural foi assinado e tinha junto ao meu nome, o nome de todos eles, da equipe! Isso dentro do Graffiti é extremamente normal, é uma questão bem logica, não fiz sozinho.
Rafael já tinha mais experiência do que eu em pinturas de grande escala, ele relatou que, nos murais que ele tinha ajudado na equipe, nunca nenhum artista assinou o nome das pessoas que ajudaram na execução da pintura. Foi ai que eu entendi a surpresa, mas para mim, essa equipe se dedicou de uma forma que eu nunca poderia ter feito de outro jeito.
1200 metros em 12 dias. Obrigado a todos que de uma forma ou de outra ajudaram para que esse trabalho acontecesse, e que venha os próximos desafios.